NOSSA AUDIÊNCIA COM DILMA ROUSSEF: ANOTAÇÕES DE VIAGEM, DF, 28/3/14




                                                                                              Paulino de J F Cardoso[1]
                                                                                  Presidente da ABPN





Caríssimos irmãos e irmãs,
Gostaria de, com algum atraso, apresentar minhas impressões acerca da audiência entre o Movimento Negro e a Presidenta Dilma Roussef, acompanhada pela Ministra Luiza Bairros, da SEPPIR e o Ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência.
Participaram da reunião as seguintes lideranças: Helcias Roberto Paulino Pereira (Agentes Pastorais Negros - APNs), Paulino de Jesus Francisco Cardoso (Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) - ABPN), Maria da Conceição Lopes Fontoura (Articulação de Mulheres Negras Brasileiras - AMNB), Valkíria de Sousa Silva – Kika de Bessen (Centro de Africanidade e Resistência Afro-brasileira - Cenarab), Clédisson Geraldo dos Santos Júnior (Coletivo Nacional de Juventude Negra - Enegrecer), Arilson Ventura (Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), Frei David Raimundo dos Santos (Educação de Carentes e Afrodescendentes - Educafro), Maria Júlia Reis Nogueira (Central Única dos Trabalhadores - CUT), João Carlos Borges Martins (Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros (Anceabra), Manoel Júlio de Souza Vieira (União de Negros pela Igualdade - Unegro), Ana Flávia Magalhães (Campanha A Cor da Marcha), Maria Conceição Costa (Observatório Negro), Edison Benedito Luiz (Coordenação Nacional de Entidades Negras - Conen), Valdina Pinto (Renafro – Rede de organizações de tradição de matriz africana), Hélio Santos (Fundo Baobá para Equidade Racial), Emanuelle Góes (Odara – Instituto da Mulher Negra), Douglas Elias Belchior (Uneafro Brasil), Ana Maria Gonçalves (escritora).
A audiência foi precedida de uma reunião preparatória nas dependências do auditório do Bloco A, na explanada dos Ministérios, onde os membros da sociedade civil do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial e demais convidados procuraram afinar o discurso e definir a dinâmica da reunião, em especial as pessoas que representariam o grupo.
Sem dúvida, chegamos a conclusão de que a urgência deste segundo convite para dialogar (O primeiro ocorreu em julho de 2013, no contexto das grandes mobilizações sociais de junho-julho), tratava-se de uma resposta da Presidenta às constantes manifestações de racismo ocorridas nos gramados pátrios. Todos, de algum modo, sentiram que parte dos veículos de comunicação de massa estavam preocupados em ver o Brasil passar vexame durante a Copa do Mundo de 2014, na frente de 3,5 bilhões de telespectadores. É um receio e tanto.
Entretanto, nós concluímos que este encontro poderia ser lido como uma oportunidade para dialogar com a presidenta, manifestar apoio aos avanços e cobrar as ações paralisadas. Confesso que fiquei muito feliz ao ver entre nós a figura do Professor Hélio Santos, ilustre pensador, de mente brilhante e alma generosa. Do mesmo modo, quase anônima, foi com prazer que identifiquei a figura de Ana Maria Gonçalves, pessoa que nos devolveu o espelho da memória por onde configurou sua identidade.
Sem dúvida estávamos dispostos a ouvir e contribuir com ações práticas de enfrentamento ao racismo nos estádios de futebol, especialmente durante a Copa do Mundo. Neste sentido, víamos como positiva a organização de uma campanha contra o racismo na Copa. Porém, igualmente, entendíamos como fundamental a parceria com o Poder Judiciário para dar agilidade aos crimes de racismo. Aproveitando a oportunidade devemos parabenizar o Presidente do STF e do CNJ, o Ministro Joaquim Barbosa, por iniciar uma pesquisa sobre a desigualdade no acesso à Justiça entre brancos e negros, em especial, o peso de critérios raciais na investigação, denúncia e julgamento dos mais diferentes crimes.
O grupo entendeu quão importante era tratar a audiência como a retomada de um diálogo entre o Movimento Negro e a chefe do poder executivo, iniciada em 2013, buscando fugir de uma pauta imposta pela Mídia. Na verdade, procuramos centrar nossa agenda naquilo cuja a realização depende da vontade política da presidenta.
Acreditamos que os dias de lua de mel, onde todos os setores da sociedade podem ganhar com a atual Administração estão chegando ao fim. Vivemos hoje um acirramento das contradições na sociedade brasileira. Esta sociedade escravocrata, acostumada a ver uma realidade em que cada um sabia seu lugar, está apavorada e enojada com o deslocamento das fronteiras. As manifestações racistas no Futebol não são tão pontuais, pelo contrário.
Compreendemos que o Movimento Negro tem tido dificuldades de responder à altura dos desafios. Precisamos construir mais sínteses e estratégias para este embate. Portanto, a urgência da realização de fóruns na qual o Movimento Negro, de forma autônoma, possa se reunir para mediar conflitos e definição de agendas comuns.
Como afirma um de nossos parceiros, o que menos se faz no governo é o enfrentamento ao racismo. Trabalha-se com noção de promoção da igualdade que pode ser atacada pela via das ações afirmativas, o que não significa trabalhar contra o racismo. Segundo Luiza Bairros, aumentamos a participação de negros na universidade, porém o racismo se mantém intacto nas instituições de ensino superior para reproduzir subalternidades. Pois é isso que ele faz o tempo inteiro. E vai piorar. Quanto mais caminhamos para a equidade, que é pouco, quanto maior a nossa inserção na sociedade, maior será o racismo.
O que captamos da diferença do que a PR quer neste momento? Ela está interessada em falar de racismo.
Para a audiência que teve início por volta das 17:00 horas, foram escalados para realizar as primeiras falas Maria Conceição Lopes, Ana Flávia Magalhães, Douglas Belchior e esse que vos escreve.
Em resumo, podemos dizer que a Presidenta Dilma Roussef apareceu bem-disposta, a vontade no grupo e com muita disposição para o diálogo. Pareceu-me segura, tranquila e com grande percepção das nossas demandas, inclusive realizando algumas devolutivas da reunião de julho de 2013. Como primeiro a falar, iniciei determinado a cumprir nosso acordo da reunião preparatória.
 Após agradecer pelo convite para o diálogo, apontei que talvez tenha sido a primeira vez que o chefe da nação convida a sociedade civil para pensar ações de enfrentamento ao racismo. Racismo que, tende a piorar na medida em que a melhoria das condições de vida da população, fruto de dez anos de Governo Democrático e Popular, ampliou os horizontes e os negros tendem a não se restringir às expectativas racistas impostas às populações de origem africana desde a época da Abolição.
 Recordei que havia estado naquela sala em outra reunião. Também que havíamos realizado uma série de sugestões. Entendemos que neste meio termo travamos um diálogo fraterno com a SEPPIR e o Ministério da Educação, que haviam assegurado avanços importantes. Entretanto, que mesmo esses avanços corriam riscos devido a um inimigo insidioso: o racismo institucional. Essa desigualdade que opera no quotidiano das instituições e se constitui em obstáculo a efetivação de políticas de promoção de igualdade. Racismo que tem dificultado a implantação da Lei Federal 10.639/03, a titulação de terras quilombolas, o acompanhamento da Lei de Cotas nas IFES e a implementação do Programa Abdias Nascimento de Mobilidade Acadêmica, assim como as dificuldades com a agenda no Legislativo, entre eles, Pl 4471.12, que extingue os autos de resistência; a Regulamentação da PEC das Domésticas; o Projeto de Cotas Federais no Serviço Público; PEC 315, que retira do Executivo o poder de titular as terras quilombolas e demarcar terras indígenas.
Os demais colegas tocaram em temas importantes, como as dificuldades no enfrentamento ao genocídio da juventude negra, a democratização dos meios de comunicação e os obstáculos à efetivação e à política de saúde da população negra.
Em resposta, a Presidenta Dilma perguntou acerca da possibilidade do estabelecimento de cotas nos editais do Ministério da Cultura, solicitou a Ministra Luiza Bairros que entrasse em contato com o Ministro da Saúde, Chioro, para repensar o lugar da instância responsável pela implementação da política de saúde da população negra, entre outras ações. Comunicou a todos o desejo de se reunir com o grupo antes da Copa do Mundo para uma avaliação do andamento das ações.
Avaliação: Em meu entendimento, o encontro foi muito positivo, porém com avanços menores em relação ao encontro de 2013. Acreditamos ser fundamental a retomada do diálogo com diferentes ministérios de nosso interesse, de modo a fazer avançar a agenda de enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial.
Deste modo, uma certa indisciplina, que levou entre outras a uma perda de  aproveitamento da audiência, indicando que os militantes antirracistas precisam com urgência construir uma plataforma de diálogo que nos permita definir representantes legítimos e uma agenda mínima central para concentrar nossos esforços e poder extrair do diálogo com as diferentes agências federais, o máximo de políticas públicas que ataquem as desigualdades raciais. Em meu entendimento, a questão da ausência de recursos é uma falácia que não devemos aceitar. Temos a tarefa de nos próximos anos construir um sistema de monitoramento da execução da política pública. 
Ilha de Santa Catarina, março de 2014.            


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                        [1] Agradeço a Fernanda Pappa da Secretaria Nacional de Juventude, por compartilhar algumas de suas anotações, a Cristiane Mare da Silva pela revisão e Karla Rascke pela leitura atenta.

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