Gabriela Soares:Que pague quem tem culpa, não quem tem cor


Por: Gabriela Soares*
Na história do nosso país não nos é de forma alguma novidade a presença e constante manifestação dos preconceitos e opressões. Tais males estão enraizados em quaisquer que sejam as esferas e instituições sociais. Não surpreende, por exemplo, que nossa justiça julgue com dois pesos e duas medidas os indivíduos, principalmente por sua cor e classe social.
Há pouco menos de 10 dias temos visto um novo exemplo dessa situação. No dia 25 de dezembro de 2014, a turista italiana Gaia Molinari, de 29 anos, foi encontrada morta em Jijoca de Jericoacoara, a 287 Km de Fortaleza (CE). Seu corpo estava em uma trilha afastada, local que carros não conseguiam ter acesso. Desde então a Delegacia de Proteção ao Turista começou uma verdadeira caça em busca de indícios que levassem a alguma resposta sobre quem cometeu o crime. Durante o período inicial da investigação chegaram até a pesquisadora carioca Mirian França, que acompanhava a vítima na viagem. Mirian França de Mello tem 31 anos, é doutoranda pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, negra e de origem bastante humilde. De inicio seu depoimento foi tomado como o mais importante, tendo em vista que ela tinha acompanhado os últimos dias de Gaia. O que acontece a seguir?
Com a justificativa de que, ao ser reinquirida, Mirian havia sido contraditória, a polícia cearense decretou prisão preventiva da jovem por 30 dias, a partir do dia 29 de dezembro. Desde então a jovem tem sido impedida de manter qualquer tipo de comunicação com a família e, ao que tudo indica, somente agora a Defensoria Pública começa a se movimentar em sua defesa.
No laudo pericial conta que Gaia teria sido estrangulada, mas que teria resistido, devido aos inúmeros ferimentos e marcas de luta corporal que o corpo dela apresentava. As marcas apontaram também que para sua morte foi necessária muita força física. Em um de seus depoimentos, Mirian apontou indícios que levaram a um homem que também foi tido como suspeito. O mesmo, também italiano como a vítima, foi ouvido e liberado, mesmo a polícia tendo assumido que agora trabalha com a hipótese de um assassinato cometido por duas pessoas, sendo uma delas um homem e a outra sendo “a carioca”,  forma como Mirian tem sido citada, uma vez que para a polícia e para a mídia ela tem sido já considerada quase como culpada, pela forma como aparece nas notícias.
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Página criada no Facebook pede liberdade condicional para Mirian e justiça para Gaia e já conta com mais de 4 mil apoiadores.
A Associação de Pós-Graduandos da UFRJ lançou uma nota exigindo o posicionamento da Universidade no sentindo de cobrar uma condução correta e que respeite os direitos de Mirian França enquanto cidadã. Seus amigos e familiares também tem se mobilizado em redes sociais, buscando fortalecer uma teia de solidariedade e anseio por justiça, tanto para Mirian quanto para Gaia.
Há em todo esse emaranhado de confusões, questões que gritam por nossas reflexões.
Não se trata aqui de declararmos inocência ou culpa de Mirian França. O que trazemos a tona é a necessidade mais que urgente de combatermos o racismo dentro de todos os espaços e em todas as suas múltiplas formas. A prisão da jovem estudante está mais para cárcere privado seguido de convencimento de uma culpa (que ainda não se tem nenhum indício concreto de que seja dela), do que para prisão preventiva mesmo. É no mínimo indignante que a Justiça haja de forma incoerente e anticonstitucional nesse caso se justificando com “sigilo judicial”.
Outra questão que nos salta aos olhos é: se Gaia foi assassinada por um homem, que não tinha intenção de roubá-la, podemos estar diante de um caso de feminicídio, devido à brutalidade com que a mesma foi morta. Sendo assim, estamos diante de quantos crimes contra mulheres? Qual o tamanho do oportunismo midiático e o que ele pode provocar? Se trabalharmos com a inocência de Mirian, temos duas mulheres vitimadas e, até o presente momento, nenhum culpado. Se trabalharmos com a ideia de que Mirian é culpada, ela pagará por dois crimes: a morte de Gaia e pelo crime que aparentamos cometer sendo negras e negros no Brasil.
É de suma importância que acompanhemos de perto esse e todos os outros tantos casos que são envoltos de incertezas e injustiças. Que a conta seja paga por quem tem culpa e não por quem tem cor.
* Gabriela Soares é graduanda em Serviço Social e militante da Marcha Mundial das Mulheres do Ceará.

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