Para entender a relação entre Justiça e Racismo que martiriza Miriam França.


Denunciados por tráfico de drogas

Punlicado no Jornal do PCO . click aqui
Luís Carlos Valois Juiz de Direito, mestre e doutorando em direito penal pela Universidade de São Paulo, membro da Associação Juízes para a Democracia e da Law Enforcement Against Prohibition - LEAP, Associação de Agentes da Lei Contra a Proibição das Drogas
Pesquisando processos de tráfico de drogas pelos Fóruns do país, recentemente estive em Porto Alegre, nossa bela capital do sul, e duas coisas me deixaram bastante intrigado.
            A primeira diz respeito a uma prática dos promotores de justiça, que são agentes pagos pelo estado para exercer a atividade de acusação da forma mais imparcial possível, coisa que por si só já é de extrema dificuldade ? pois acusar sendo imparcial é a mesma coisa que ser parcial sendo imparcial, ou seja, o cidadão promotor precisa exercer certo malabarismo intelectual e emocional muito complexo.
            Para se iniciar um processo o promotor tem que apresentar por escrito o fato que ele entende como criminoso, narrando tal fato de forma clara para que, no processo, sejam buscadas provas da efetiva existência daquele fato. Essa narração por parte do promotor é chamada de denúncia.
            Pois bem, os promotores gaúchos têm um costume estranho de anexar as fotos dos acusados em todas as suas denúncias. Digo estranho porque o que se deveria julgar é apenas o fato e não a pessoa, sendo que a figura daquele cidadão a ser julgado pode exercer influência desnecessária no processo.
            O professor Salomão Shecaira, da USP, conta em seu livro Criminologia que um juiz napolitano, conhecido como Marquês de Moscardi, julgava seus réus com base na aparência e, assim, teria criado a regra de que "na dúvida entre dois presumidos culpados, condena-se o mais feio".
            E a história do Direito Penal tem sido a da tentativa de se afastar qualquer julgamento sobre a pessoa do criminoso, qualquer julgamento que vá além do fato cometido. Ninguém deveria poder ser julgado por sua história de vida e muito menos pelas cicatrizes, defeitos, manchas ou sinais que essa vida nos deixa.
            Mas a segunda coisa que me intrigou se apresenta mais séria.
            O Rio Grande do Sul é conhecido pela predominância de pessoas brancas, algumas louras de olhos claros, seja pela imagem exposta pela mídia, seja por uma simples busca no Google, e é esta a impressão também quando chegamos no Fórum ao prestar atenção no entra e sai de advogados.
            Até aí tudo bem, pois a nossa colonização se deu de forma realmente diferenciada, mas ao olhar as fotos juntadas nos processos pelos promotores tive um susto: a maioria esmagadora dos acusados é negra.
            O racismo no Brasil sempre foi de intrincada definição, encoberto por muitos e dissimulado por grande parte da população, e eu não precisaria ir à Porto Alegre para constatar que a guerra às drogas e o Direito Penal como um todo tem servido como forma de aparthaid.
            Basta que se entre em qualquer penitenciária brasileira para se perceber o contraste entre a cor da pele dos encarcerados e a cor da pele dos que estão nos shoppings.
             Contudo, nunca é fácil comprovar isso com estatísticas. Muitos são fichados, catalogados como brancos, mas são morenos, mulatos. Nos processos que pesquisei isso acontecia também, pois alguns eram visivelmente negros e constavam da denúncia como brancos.
            Posso estar sendo injusto com os promotores gaúchos, porque eles podem muito bem estar querendo mostrar justamente o racismo dos policiais que prendem mais negros do que brancos, apesar de termos muitos brancos, por certo a maioria, como traficantes de drogas, embora nada leve à conclusão da existência dessa crítica social nas denúncias.
            De qualquer forma, o péssimo hábito do Ministério Público de Porto Alegre acabou ajudando em minha pesquisa, porque cada vez fica mais claro que a guerra às drogas está a permitir uma discricionariedade enorme ao poder de polícia, ao poder da polícia da rua.
            A guerra às drogas é racista. Talvez não precisemos de mais estatísticas. Negros pobres são traficantes, enquanto brancos ricos são soltos como usuários, tudo com base no julgamento feito na rua e ratificado pelo Poder Judiciário. 

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