Os negros e a conjuntura atual!!!

Por Paulino J F Cardoso para o Portal Áfricas

 

Paulino J F Cardoso
Paulino J F Cardoso
O presente texto é fruto de algumas reflexões elaboradas e ditas em duas oportunidades: a Plenária Nacional da União de Negros pela Igualdade (UNEGRO), Brasília, agosto 2015 e Assembleia Nacional dos Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APNs), Nova Iguaçu, RJ, setembro de 2015.
Nestes dois momentos procuramos cumprir um duplo objetivo, apresentar a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) aos representantes das bases de cada uma das organizações do Movimento Negro e apresentar uma análise acerca dos desafios do Movimento Negro e na conjuntura política atual.

O lugar de onde falo
Como muitos, da minha geração, faço parte daqueles que acreditaram e acreditam que responsabilidade, trabalho duro e disciplina, nos dariam uma carreira e uma perspectiva de futuro. Nós somos aqueles que foram iniciados no Movimento Negro em 1980, graduaram e se qualificaram em 1990 e, a partir desta década passaram a ocupar os cargos de docente universitário.
Entretanto, ao assumirmos nossas funções, nos deparamos com o racismo institucional presentes em nossas unidades de ensino. Não tínhamos bolsistas, espaço físico, suporte para pesquisa sobre temas relativos a África e suas diásporas no Ocidente. Em suma, nossas preocupações não tinham lugar na tradição acadêmica.
Foi por essas razões que ancorados na experiência do I Encontro de Pesquisadores Negros das Universidades Paulistas em 1989, Seminário Superar a Denúncia o Desafio do Movimento Negro em 1991, organizamos os congressos brasileiros de pesquisadores negros em 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010, 2012 e 2014, a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), o Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (CONNEABS) e mais recentemente iniciamos os esforços para instituir a Associação de Investigadores Negros da América Latina e Caribe (AINALC).
Somos frutos de uma antiga estratégia de luta antirracista, a educação como instrumento de mobilidade individual e coletiva, de enfrentamento das desigualdades, mobilidade e emancipação social.
Hoje, reconhecemos que muitas foram as conquistas a ser comemoradas, em especial, nas últimas décadas temos colocado em debate a agenda política de nosso país. De um modo geral, somos a expressão mais legitima do povo brasileiro.
Entretanto, tudo o que conquistamos, presente nas políticas públicas dos governos Lula/Dilma, ameaça desaparecer sobre o peso dos seus erros. Em especial, confundir acesso ao consumo com cidadania, esperar gratidão eterna das massas, descuidar da educação política da população e amordaçar/cooptar os movimentos sociais, especialmente neste segundo mandato, conquistado bravamente nas ruas com o voto em massa de homens e mulheres negros.
Para nossa surpresa, a presidenta construiu uma equipe de costas para os mesmos movimentos sociais, os mesmos que encantaram o país com a nossa “onda vermelha”, baseada em critérios: eficiência e competência. Ou seja, pessoas que não devem seus cargos aos seus vínculos com a sociedade civil, mas ao reconhecimento do colonialismo branco.
A crise política que estamos vivendo é fruto de um modelo de governança que expulsou o neoliberalismo pela porta e os trouxe pela janela. O Ajuste Fiscal definido para este ano acrescentará aos 378 bilhões de reais que seriam pagos aos rentistas, mais 49 bilhões, dos 60 bilhões de reais que se pretende poupar.  No nosso campo específico, significa a redução ou adiamento de uma agenda de ações cujo objetivo era intensificar a democratização do acesso, permanência e sucesso na educação superior.
É difícil explicar a política de comunicação que não apenas esqueceu a regulamentação econômica da mídia, como encheu as burras das grandes famílias monopolizadoras com bilhões de reais de recursos públicos, cujo resultado foi a produção de um ódio político e um desprezo pelas instituições democráticas jamais visto na história brasileira.

O que aprendemos:
Esta dura realidade tem indicado que nós negros não podemos ficar a mercê de brancos, sejam eles de esquerda ou direita, sem uma representação parlamentar adequada ao protagonismo de nossas próprias lutas. Quantos parlamentares tomaram a tribuna para a defesa das nossas agendas?
Por outro lado, precisamos desgarrar os movimentos sociais do papel legítimo desenvolvido pelas organizações não governamentais (ONGs). Não cabe a nós a terceirização de políticas públicas não prioritárias para os diferentes níveis de governo. O movimento social não pode se deixar cooptar por cinquenta, ou mesmo quinhentos mil reais. Devemos lutar para que a política pública que administra bilhões, atenda nossas demandas específicas.
Para tanto, precisamos voltar ao básico:  a educação política de nossa população. Daí a importância de nos engajarmos/apoiarmos a Marcha das Mulheres Negras 2015, por sua capacidade de reconstruir a capilaridade das organizações e promover uma renovação dos quadros do próprio movimento negro.

Qual o papel dos acadêmicos negros?
Nós acreditávamos (e acreditamos) que os núcleos de estudos afro-brasileiros poderiam qualificar a luta anti-racista. Entretanto, nós subestimamos a capacidade de cooptação dos sistemas educacionais, marcados por modelos eurocêntricos e coloniais, que torna muito de nós cativos de nossos currículos, nosso pertencimento e aceitação pelos coronéis brancos da acadêmica (bonzinhos ou não). Academia que desorienta nossos jovens que tendem a tornar-se “negros-ilhas” (pretos cercados de brancos por todos os lados), ou odiar seus pouquíssimos professores negros.
Para nós, ciência sem compromisso, ciência sem inserção nas culturas populares, nos torna a todos legítimos administradores coloniais, capatazes da Casa Grande. Acadêmico decente é aquele que aceita o desafio de tornar-se orgânico da massa africana e afrodescendente, que contribui para formar quadros e dar suporte ao movimento social e para os gestores de promoção de igualdade racial.
No entanto, nossa tarefa mais importante é colaborar com o Movimento Negro na desmontagem da máquina colonial, em especial, o colonialismo mental que nos impede de pensar para além do estabelecido, para além do já dado. Trata-se, como diria Cristiane Mare da Silva, desmantelar a Matrix.

As tarefas urgentes:
Nós, sociedade civil, precisamos aproveitar a oportunidade para desvincularmos do alinhamento automático para com diferentes partidos políticos. Lançarmos a base de um movimento social autônomo capaz de expressar/representar os anseios da massa negra.
Daí a absoluta necessidade de criarmos um espaço de articulação, resolução de controvérsia e pactuo de agendas. Acordos que devem ser consensuais o suficiente para valer em nossas bases em todo país.
Por fim, é absolutamente central que construamos uma agenda internacional, que torne possível o diálogo com as agências multilaterais, e troca de experiências com afrodescendentes de América Latina e Caribe.
Nós, companheiros e companheiras, usando uma imagem judaica, subimos a montanha e vimos a terra prometida. Nossa tarefa: parir a geração que a frente do nosso povo, tornará esse país uma terra de homens e mulheres livres.
Ilha de Santa Catarina, primavera de 2015.

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